domingo, 22 de março de 2009

8* - A estratégia Portuguesa / As instruções de campanha

A estratégia portuguesa

O governo português sabia que havia um exército francês em Bayonne, e que a invasão de Portugal iria ser feita pela Galiza e pela Extremadura espanhola, pondo assim em perigo as províncias do Minho e Trás-os-Montes e a do Alentejo. O exército foi por isso dividido em 2 corpos. Um foi organizado nas províncias do Minho e de Trás-os-Montes sob o comando do quartel-mestre general marquês de La Rosière, o outro, sob o comando do inspector-geral da Infantaria o tenente-general Forbes, defenderá a fronteira da Beira e do Alentejo, tendo o controlo das poucas forças que são deixadas no Algarve sob a direcção do governador das Armas da província, Francisco da Cunha Menezes, Monteiro-mor do reino, oficial que tinha participado, enquanto coronel do regimento de infantaria de Cascais, na campanha do Rossilhão.

As instruções de campanha

As instruções dadas pelo duque de Lafões, tanto a La Rosière como a Forbes, são muito simples. Evitar "acções gerais e consumir o inimigo na guerra de postos" como escreve a La Rosière ou "evitar quanto possa acções gerais e decisivas adoptando o sistema da guerra, que lhe parecer mais próprio para retardar os progressos do inimigo, sem procurar a ruína deste por acções que possam também completar a nossa em um só dia", sendo que "a guerra de postos, e principalmente a de montanhas é a que mais nos convêm."

A estratégia no Alentejo é clara desde o princípio. Estabelecer um cordão de tropas de Nisa até Arronches, e logo que o exército espanhol invadir a província tentar manter-se o maior tempo possível na serra de São Mamede, sendo que o objectivo principal é impedir a travessia do Tejo, entre Abrantes e Santarém, pelo exército invasor. De acordo com estas instruções as forças de manobra na Beira, sob o comando do marquês de Alorna, servirão somente para proteger a retaguarda do exército do Alentejo e apoiar uma possível retirada deste exército atravessando o Tejo por Vila Velha de Ródão.

As fortalezas que se preparam para uma defesa efectiva foram no norte, Valença, Chaves e Bragança, na Beira Almeida e no Alentejo Campo Maior, Elvas e Castelo de Vide, sendo deixadas quase sem tropas de linha Juromenha e Marvão, sendo entregues à exclusiva defesa de tropas milicianas Olivença e Estremoz.

Os dois exércitos são organizados diferentemente. Assim, no Norte as 4 brigadas organizadas, das quais 3 estavam no Minho e uma em Trás-os-Montes, os regimentos de infantaria de linha foram misturados com regimentos de milícias, numa proporção de 1 para 3, tendo cada brigada também um esquadrão de cavalaria. No Alentejo, o exército é organizado em 3 divisões, divididas em brigadas, compostas só de tropas de infantaria de linha, sendo os regimentos de milícias utilizados nas fortalezas.

Forbes chegou a Estremoz, quartel-general do exército do Alentejo, a 21 de Março, estando já aquartelados os regimentos enviados de Lisboa, sob o comando de Gomes Freire de Andrade, esperando-se os batalhões enviados do Algarve.

As únicas tropas não ocupadas nas fronteiras estavam de guarnição em Lisboa. Dois regimentos de infantaria e metade dos 3 regimentos de cavalaria, assim como a Brigada de Emigrados franceses, que parece não se saber muito bem o que fazer com ela, já que estando destinada a fazer parte do exército do Norte, para lá não foi, tendo acabado por ser enviada para o Alentejo.

O exército espanhol concentrava-se nos princípios de Maio entre Badajoz e Alcântara, depois de se ter dirigido para Cidade Rodrigo por Alcântara, em Abril, enquanto que e o exército francês comandado pelo general Leclerc, cunhado de Napoleão Bonaparte, ia entrando em França dirigindo-se com muita dificuldade por Burgos para Salamanca e Cidade Rodrigo, enviando patrulhas para Alcântara, para fazer a ligação às tropas espanholas comandadas pelo regressado Manuel Godoy.

No dia 10 de Maio de 1801 houve um pequeno reencontro com tropas espanholas na fronteira, do lado de Portalegre. Não achando que fosse ainda o ataque geral, Forbes decidiu, de qualquer maneira, transferir o quartel-general de Estremoz para Portalegre em 18 de Maio, e avançar a linha de postos para a fronteira, concentrando o exército à volta de Castelo de Vide, Porto da Espada e Alegrete "aproximando assim todo o exército à Serra de São Mamede", mas a divisão comandada por D. António Soares de Noronha, ao transferir a sua divisão de Monforte, Arronches e Assumar para Alegrete, deixou desguarnecidas tanto Monforte como Arronches, povoações que deviam definir o flanco direito do exército de Forbes.

Quando Forbes chegou a Portalegre dia 20 soube do ataque do exército espanhol a Olivença, Juromenha, Elvas e Campo Maior. Olivença, que não estava em estado de se defender, rendeu-se logo por intermédio do seu governador, o coronel francês Jules César de Chermont. Juromenha que estava preparada para a defesa, e se esperava que demorasse os espanhóis algum tempo, impedindo-os de se dirigirem a Estremoz, rendeu-se também à primeira intimação. Mas as duas praças de Campo Maior e de Elvas em que se verdadeiramente confiava para retardar decididamente a invasão espanhola fizeram o que se esperava - defenderam-se.
A brigada de granadeiros e caçadores da Divisão do Centro, comandada por Bernardim Freire de Andrade, foi transferida para Alegrete para reforçar o ainda considerado flanco direito, sendo dois batalhões dos regimentos de Olivença da brigada de infantaria da direita mandados regressar a Arronches e Monforte por D. Miguel Pereira Forjaz, ajudante-general do exército do Alentejo. O erro de ter abandonado Monforte e Arronches não pôde ser colmatado totalmente, já que Monforte já estava ocupado pelos Espanhóis.

A defesa das duas fortalezas da raia fizeram com que o exército espanhol, tendo de se reorganizar para bloquear Elvas e sitiar Campo Maior, só tivesse começado a avançar de novo em 24 de Maio, tendo ocupado nesse dia Santa Eulália e Barbacena. Só 3 dias depois avançaram sobre Monforte. Em 29 de Maio foi a vez de a divisão espanhola da Vanguarda, comandada pelo general Solano, avançar em direcção a Arronches. Esta pausa só pode ser entendida pelo atraso nos transportes de víveres e munições. No dia anterior, dia 28 de Maio, chegou ao Crato a Brigada de Emigrados, comandada pelo general escocês Simon Fraser, num movimento que Garção Stockler considerou, nas suas Cartas, como a salvação do exército português pelo duque de Lafões, que a tinha dirigido para essa povoação, impedido assim o avanço generalizado dos espanhóis. A verdade é que a ordem fora dada por Forbes, no dia 18 de Maio, dois dias antes da invasão espanhola, quando soube por Stockler que a brigada se dirigia de Abrantes para se reunir ao exército do Alentejo, como prova o seu copiador de correspondência, e o ter-lhe sido dado um posto tão na retaguarda deveu-se tão somente ao medo da deserção generalizada dos soldados da brigada, se estivessem perto da linha de combate.

Em Arronches como vimos encontrava-se D. José Carcome Lobo a comandar, com ordens claras de não atacar as forças espanholas à sua frente, recuando em direcção às forças, comandadas por Bernardim Freire de Andrade, que estavam em Mosteiros para apoiar a sua retirada. A verdade é que o coronel Carcome não conseguiu cumprir as ordens e deixou-se envolver pelas tropas espanholas que o atacaram, acabando por realizar o que lhe estava ordenado, mas com baixas desnecessárias. Segundo Neves Costa, assim como Luz Soriano, que tem a mesma opinião, a má colocação das tropas foi o principal erro do coronel Carcome, sendo que devia ter aproveitado uma pausa no ataque espanhol, quando as primeiras forças pararam o combate à espera de reforços, para retirar-se. No relatório deste combate, temos a primeira descrição da utilização dos atiradores das companhias de fuzileiros dos batalhões de infantaria portugueses, e a sua utilização no combate, tanto à frente do batalhão como no apoio dos flancos. O exército português não estava tão mal preparado para a guerra como pode parecer na leitura de alguns autores de história militar, mesmo que a aplicação táctica por oficiais superiores pudesse ser deficiente.

Como escreveu Neves Costa, mesmo depois do combate de Arronches o exército espanhol continuou a progredir lentamente, permitindo ao exército português que tinha duas divisões ao redor de Portalegre, e a outra em Castelo de Vide, retirasse em direcção ao Gavião, na margem esquerda do Tejo, tendo a sua retaguarda protegida por forças da divisão da Beira. Quem dirigiu esta retirada foi o duque de Lafões, que tendo saído de Lisboa em 22 de Maio, tinha chegado a Portalegre a 28. Todo o exército do Alentejo se reuniu no Gavião em 31 de Maio de 1801, abandonando assim praticamente todo o Alto Alentejo, sem ter sido incomodado, mas mantendo duas fortalezas que impediam que o exército espanhol pudesse aproveitar convenientemente os seus sucessos. Absolutamente dependentes dos armazéns e dos transortes para se alimentarem, as duas fortalezas alentejanas seriam sempre um espinho na linha de comunicações do exército espanhol, entre Badajoz e Portalegre, e depois Abrantes se quisessem continuar a campanha.
Até 8 de Junho, data em que foi assinado o tratado de Paz de Badajoz, os únicos acontecimentos que se deram foi o aprisionamento, no dia 4, de uma força que tinha escoltado os carros enviados a Flor da Rosa para recuperar os mantimentos aí armazenados, e a rendição, no dia 6, de Campo Maior. Nem um nem outro acontecimento tiveram impacto nas negociações finais do tratado de paz

O tratado de Paz assinado por Godoy e Luciano Bonaparte, tinha como objectivo para a Espanha concluir rapidamente a intervenção francesa na Península, já que pelo tratado de Aranjuez se afirmava que com a assinatura de um tratado de paz as tropas francesas seriam retiradas rapidamente da Península. Godoy estava interessada em fechar os Portos portugueses às frotas britânicas, pensando que com este sucesso poderia negociar directamente com a Grã-Bretanha a paz, como o tinha tentado em 1798. De facto uma guerra de conquista contra Portugal, com o apoio do exército francês, poria em causa tal objectivo. Por isso, como não tinha destruído o exército português na fronteira, e não podia avançar para a linha do Tejo facilmente, devido a ter o seu flanco direito ameaçado pela divisão do marquês de Alorna, e a sua retaguarda ameaçada pela forças estacionadas em Elvas, só com o apoio da divisão francesa de Leclerc poderia continuar a campanha. Mas as forças francesas estavam ainda muito longe de puderem entrar em campanha, e para ajudarem os espanhóis teriam de se dirigir para Alcântara, a Sul da sua zona de concentração que era Salamanca. Mesmo que algumas forças de cavalaria francesa se tivessemmostrado, segundo parece, na fronteira da Beira Baixa, não eram suficientes para pôr em perigo as forças comandadas pelo marquês de Alorna. Godoy decidiu-se então pela paz.
Como o tratado de paz não foi ratificado pelo primeiro cônsul francês o estado de guerra manteve-se entre Portugal e a França.

Entretanto no Norte, no Minho e em Trás-os-Montes nada tinha acontecido, não tendo havido movimentos ofensivos espanhóis, o que levou o marquês da La Rosière a ordenar a Gomes Freire de Andrade que entrasse na Galiza, com uma pequena força, retirada da brigada comandada pelo tenente general D. Manuel José Lobo e pelo marechal de campo João António de Sá Pereira, barão de Alverca, para se informar se era possível realizar uma ofensiva pela veiga de Chaves em direcção a Monterei na Galiza. A expedição, que entrou em Espanha no dia 8, foi um fracasso não tendo conseguido realizar nada, recuando vagarosamente até que regressou a Chaves no dia seguinte. Houve outras pequenas acções mas nada influíram na conclusão da guerra.

No Algarve, as forças comandadas por Francisco da Cunha, monteiro-mor do reino, impediram, no dia 8 de Junho, uma tentativa de travessia espanhola do Guadiana em direcção a Vila Real de Santo António. Tudo se resolveu a um duelo de artilharia entre as canhoneiras espanholas e as baterias portuguesas. Francisco da Cunha ganharia o título de Conde de Castro Marim por esta acção.

Mais importante do que tudo isto, numa acção preparada desde 1800, forças milicianas do Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil, com o apoio de índios descontentes com a governação colonial espanhola, conquistavam definitivamente a zona das sete missões, entregues formalmente a Portugal pelo tratado de Madrid de 1750, mas nunca de facto transferidas para a soberania portuguesa. Cedidas por Portugal no Tratado de Santo Ildefonso de 1777, aceitando a realidade dos factos, mas nunca esquecendo a importância de tais territórios para o desenvolvimento do sul do Brasil, como Jaime Cortesão lembrou.

Esta conquista realizada a partir de 8 de Agosto de 1801, por José Borges do Canto, antigo soldado do Regimento de Dragões do Rio Grande do Sul, com o cerco e tomada da povoação de São Miguel e posteriormente do resto das missões, foi um sucesso que nunca foi reconhecido em tratado, mas que o governo espanhol reclamou sempre, ligando no futuro a entrega das missões à entrega de Olivença.

Mas a guerra não tinha acabado, e por isso não se sabendo as intenções dos espanhóis, pensando-se que podiam avançar por Ponte de Sôr, e tornear a posição do Gavião, decidiu-se recuar o exército para Abrantes, continuando por isso a cumprir o plano pensado desde 1796. O exército começou a retirar em 7 de Junho, atravessando o Tejo no dia 8 e acampado no dia 9. O tratado foi ratificado pelo príncipe regente em 14 de Junho, e no dia 23 seguinte o duque de Lafões foi dispensado do comando, sendo este entregue ao conde de Goltz.

Goltz, oficial prussiano ao serviço da Dinamarca, conhecido pelo Tártaro, tinha sido contratado por Portugal para dirigir o exército em campanha, mas mais uma vez, exactamente como tinha acontecido ao Príncipe de Waldeck, falecido em 1798, tinha tido a oposição do marechal general, que via nestas contratações um ataque ao seu poder e à sua capacidade. Goltz que estava em Portugal desde o Outono de 1800, não tinha funções determinadas, e de facto não fazia rigorosamente nada.

Quando assumiu o comando do exército decidiu chamar para Coimbra a cavalaria de linha do exército do Norte, ordenando a Gomes Freire que organizasse uma rede de postos de vigilância na fronteira a ser mantido unicamente pelos regimentos de milícias. La Rosiére que estava a reposicionar o seu exército da linha do rio Minho para uma linha de defesa entre Braga e Guimarães, fortificando o desfiladeiro de Salamonde; preparando-se portanto para uma invasão francesa pela Beira e Trás-os-Montes, em direcção ao Porto, por Braga. A decisão de Goltz provocou uma reacção violenta do general francês emigrado, e a apreensão do governo português sobre as capacidades militares do general prussiano, já que a defesa do Norte de Portugal era absolutamente essencial, porque o objectivo assumido da França era ocupar astrês províncias do Norte com o Porto. Na carta de 2 de Outubro em que discute esta situação, o general francês apresenta mesmo a demissão. A assinatura do tratado de paz entre Portugal e a França, em Setembro, e a sua ratificação em Outubro, com o subsequente regresso aos quartéis do exército acabou por resolver este grave conflito disciplinar.

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