quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

- "As ruínas desta fortaleza"


  • O Turco Rumecão, que nessa altura fazia guerra a Diu, conhecendo o estado em que se achavam os Portugueses, pelos poucos defensores e pela fortaleza quase destruída pelos incessantes ataques que tinha sofrido, quis jogar com o fraco ânimo das hostes lusitanas. Chegara a noite cerrada à Índia, e é então que no Baluarte de Santiago, onde estavam alguns portugueses a fazer guarda, ouvem chamar do lado de fora da fortaleza. Em língua portuguesa, dizia ser Simão Feio, que queria falar ao capitão-môr sobre um assunto importante.
  • Foi então chamado o Capitão Dom João Mascarenhas, e este mandou entrar o português. Frente a frente, este lhe disse que se chamava Simão Feio, e que tinha sido mandado por Rumecão, o turco que vendo o valor de tão grandes soldados como eram os Portugueses, queria-lhes poupar as vidas, que eles próprios tão desesperadamente defendiam. Ele bem via como a fortaleza portuguesa estava completamente arruinada, a maior parte dos defendores enfermos ou feridos, sem esperança alguma de socorro, com falta de munições e mantimentos. Era pois de bom-senso que se rendessem, porque para sua própria glória desejaria conservar vivos tão valorosos inimigos. Que nos trataria muito bem, dando-nos a liberdade e os nossos navios, se aceitássemos a rendição e abandonássemos a fortaleza. Se não, pois que todos os portugueses iriam ser passados pelas leis da guerra, e tratados como só os vitoriosos tratam os vencidos.
  • Quando ouviu esta afronta, o Capitão Dom João de Mascarenhas, com a mão no punho da espada, assim lhe respondeu:
  • "Se na fortaleza onde estão Portugueses não há muros, eles defendem-na em campo aberto. Se duvidam disto, então que no primeiro assalto que ousarem contra nós, assim o irão saber! Diz ao Turco para ir pedir mais e melhores soldados ao Sultão, porque nós Portugueses desprezamos vitórias tão pequenas; E as ruínas da fortaleza, essas espero eu repará-las com as cabeças dos Turcos! Se nos faltar mantimentos, ao próprio arraial do inimigo os iremos buscar como despojos. Enquanto os Portugueses tenham as suas armas, isso basta para não nos faltar nada! E à livre passagem marítima que o Turco nos oferece se nos rendermos, diz-lhe que espero mais cedo eu próprio fazê-la, com a espada na mão por entre os inimigos. E a ti, Simão Feio, que não mais venhas cá repetir palavras alheias, senão mando-te espingardear do muro!"

Crónica de Dom João de Castro

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